quarta-feira, 25 de agosto de 2010

RESUMO (15)

Mesmo nas férias aqui vai mais uma espécie de capítulo:

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MUNDO DAS BAIXAS

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Comecei a entrar no mundo das baixas, no termina e recomeça, recebe, não recebe.

No dia 17 de Março de 2008 tive então a 2ª consulta de Oncologia Médica, depois de fazer as análises. Comecei a quimioterapia em ciclos de três dias: doxorrubicina, ifosfamida e mesna, com direito a enjoos durante dois ou três dias. Fiz o 1º ciclo mesmo antes da Páscoa.

Depois fomos uns dias para a aldeia. É bom, os meus pais sentem-se melhor lá, é a casa deles.

Eu vou deixar de ter vontade. Tenho de aprender a desligar isto, apercebo-me neste momento.

Pelo início de Abril, começa a cair o meu pelo. O cabelo começa a soltar-se no dia 3 de Abril. Regresso de casa dos meus pais, onde continuo a sensação de exílio e, no dia 4, sexta-feira, vou como meu pai ao barbeiro dele para cortar o cabelo a máquina zero. Começo em pente 4. Eu disse-lhe: “Á vontade, é mesmo zero.” Mas ele ainda tentou pente 3, 2 e ok, pente zero. Que maravilha de higiene. Lenço por cima, com um nó de lado e toca a andar, evitando o sol, claro. Em brincadeiras de internet, soube que domingo, dia 6 era o meu 13609º dia no planeta. Lembro-me de pensar quantos mais haveria.

Nos três dias seguintes a mesma rotina: análises, consulta e internamento para o 2º ciclo de tratamento.

Quando voltei para casa precisei de anti-eméticos, ou seja, comprimidos que evitam enjoos e vómitos. Os enjoos ameaçam, mas nunca chego a vomitar. É que se começo, a coisa torna-se violenta e dolorosa. Vomitar cansa-me muito. Não sei se acontece com as outras pessoas. Acho que isto não costuma ser tema de conversa habitualmente.

O meu organismo lá melhorou na quinta e na sexta-feira. No domingo deu-me na cabeça de limpar o pó em casa. Sempre é uma coisa mais leve que posso fazer. Neste momento os remendos ainda não incomodam muito. Lá vou de novo três dias para a aldeia. Depois disso, o meu pai teve de rapar os 4mm que o meu cabelo cresceu, deve ter sido reacção á máquina hi hi. Mas doía na almofada. Agora tenho um “melão macio”. Sou mesmo cabeçuda.

Na segunda-feira seguinte consigo reunir-me com um grupinho de amigas para tomar um cafezinho de manhã. Chamamos-lhe o “café das dondocas”. Ficámos sem trabalho quase ao mesmo tempo, se bem que a minha razão foi diferente, para bem delas. Depois disso, novo exílio de três dias. Nada de cinema, exposições, compras, visitas a amigas, passeios. Nada. Casa e quintal. Abençoada internet móvel. Acho que se isto continuar fico meio louca, ou três quartos?

No fim-de-semana voltamos á cidade. Parece que a minha mãe não tem paciência para os comboios de pessoas que vão oferecer bolinho sortido aos doentes, como manda a tradição lá da terra. Eu cá gosto do bolinho sortido, só não entendo porque é que as pessoas ficam todas com um ar muito sério e a olhar para a decoração. Mas, em geral, gosto do bolinho sortido.

Segunda, terça e quarta-feira: novo ciclo de tratamento. Nos intervalos vou pagando os dias da Segurança Social que “sobram”. Só estou a pedir baixa dos dias de tratamento mesmo. Desconfio que o meu esforço é escusado. Não pertencia a quadro nenhum, portanto, não tenho protecção na doença além desta baixa que vai durando. O seguro de acidentes de trabalho é disso mesmo, logo não é para aqui chamado. Não consigo arranjar formação para dar nos dias em que me dá jeito, nenhuma empresa quer aturar isso. Preferem ter os formadores prontinhos a saltar uns quilómetros, em vez de dar algum tipo de incentivo a pessoas com necessidades especiais. Entretanto, mais uma coisa que ninguém conversa. Na primeira semana que passo em casa, juntamente com quinta-feira e afins…passo esse tempo todo para me pôr em ordem novamente. Fico inchada, tenho de vestir dois nºs acima. Fico obstipada, problema que já tinha, mas agora agravou-se devido aos cito tóxicos que me administram (os medicamentos que matam as células), e fico dependente da minha casa de banho. Pode parecer ridículo, mas se não evacuar todos os dias começo a ficar em pânico. Este tratamento fez-me surgir uma coisa linda e agradável de seu nome hemorróidas. Mesmo à saída, é de chorar quando vou á casa de banho. É um assunto aparentemente parvo, mas não de tão fácil resolução quanto possa parecer. Acho giríssimo quando alguém, lá do topo da sua infinita sabedoria diz: “Ah, tome lactulose que fica logo bem”. Sim, as pessoas normais ficam logo bem, as que estão a fazer quimio nem por isso. Tomo 3 saquetas e nada. E vão os grânulos, e a sopa, e as saladas, e os legumes cozidos, e o requeijão, e a fruta, e os kiwis em jejum, já não sei que mais faça. Bem, esperamos que funcione, senão vai como diz um amigo que conheci no IPO, e já anda nestas vidas desde os 19 anos (tem agora 30), “se não sai a bem, sai a mal”. E vai de microclister. Lá dentro é que não pode ficar todo o lixo que é suposto expulsar. É caso para dizer “que conversa de merda”.

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Um abraço

O pai Bártolo

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