terça-feira, 9 de maio de 2006

Quinto Fantasma - Junho de 1999




Encontrou-a por acaso, quando ela estava prestes a entrar no carro, que iria trocar daí a poucas semanas. Parou em cima do passeio, saiu do carro e dirigiu-se a ela de braços abertos, num gesto de fraternidade incomensurável.
-Então, como estás mulher? Perguntou Bruno amigavelmente.
- Bem, obrigada. Já conseguiste comprar o teu apartamento? Inquiriu Beatriz, tentando traçar a rota daquele Bruno sempre fugidio.
¾ Olha, comprei e já está mais ou menos mobilado. Agora vai andando, devagar, não é?
Acabou por lhe dizer onde era, e Beatriz perguntou-lhe se já aprendera a passar roupa a ferro, lavar, limpar a casa, etc. Claro que ele não deu parte de fraco. Ia sair-se às mil maravilhas. Beatriz acreditou. Desde novo que Bruno fora deixado um pouco ao acaso. Os pais sempre se preocuparam mais com o trabalho e a irmã. Bruno parecera-lhe por vezes ressentido com o mundo. Ela chegara a ter medo dele, por isso concordava normalmente com ele. Não percebera bem como, mas no meio daquele egoísmo que ele apresentara a Beatriz como parte de si, ela conseguira gostar imenso daquele homem. Feito o balanço, continuava sem perceber ("o amor não respeita razões"). Aventurava-se a julgar, sem ideias de psicanálise, que tal como nunca ninguém se empenhara muito em fazer Bruno parte integrante da família, em vez de “o filho do meio”, ele achava ainda ou cada vez mais que não tinha sentido sequer ter algum tipo de compromisso com alguém. Claro que isto era a imaginação de Beatriz a funcionar.
Ficou a saber que Bruno tinha uma companheira, que por acaso estava num estágio profissional em França, quando ele lhe disse:
- Se quiseres tomar café até 15 de Julho estás à vontade... Ela só volta a dezasseis.
- Não me confundas, sacana.
E a discussão foi feia. E final. Não voltaram a ver-se. Não voltaram a dançar, não voltaram a cantar, não voltaram a passear. Perderam-se para sempre. Ele deve estar agora com uma vidinha que sempre negou a Beatriz, mas que qualquer outra mulher sábia lhe soube fazer gostar. Ela continua sem perceber se vive ou não dentro deste livro.

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