terça-feira, 9 de maio de 2006

Quarto Fantasma - Junho de 1998


Aquela cidade era espantosa. Encontrara já imensos símbolos que Paulo Coelho referia nas suas obras. Ela lera-as todas, como se da sua vida se tratasse. Adorara Brida. Bruno nunca percebeu porquê. Bruno nunca a entendera, aliás. Tomara-a como mulher moderna e simples, depois encontrara-a como menina dos papás e assustou-se quando a viu rugir. Beatriz sabia que não tinha sido assim. Foi uma catadupa de mal entendidos. Duas pessoas falhadas emocionalmente encontraram-se de um modo muito curioso e até... giro. Encantaram-se e tiveram pressa de que tudo resultasse. Mas nenhuma relação se baseia em braços de ferro. Foi o que eles fizeram.
Beatriz foi levada à força para Santiago de Compostela. Os seus olhos doridos que não dormiam havia semanas abriram-se para as pedras, para as imagens, para as vieiras sempre presentes, a Lua e o Sol, e as imensas preces dos peregrinos. Beatriz era uma peregrina. Doía-lhe a alma, chegava a pensar que não a queria mais. Queria parar de sentir. Apreciou com delicadeza a gastronomia local. O seu estômago estava embrulhado. Tudo o que vira Galiza fora rodava à volta daquele centro que para ela era único, sem saber porquê; tudo o que vira estava filtrado pelos ansiolíticos que tomava agora, em busca do equilíbrio que tinha antes de conhecer Bruno. Tomava-os de manhã para acalmar, às refeições para fortalecer, à noite para conseguir esquecer tudo e dormir quatro horas de repouso artificial, receitado pelo seu médico. O diagnóstico não fora suave: depressão, “deve descansar muito e evitar a situação que lhe causou este desgaste. Vê alguma possibilidade de resolver a bem esta situação? O problema é passageiro ou afigura-se-lhe permanente?” “Creio que é vitalício, senhor doutor.” Foi a conversa em que Beatriz se apercebeu que a sua vida não seria mais a mesma. Crescera tudo de uma vez.
Bruno negara-a. Não a aceitou como ela era. Hoje é o aniversário dele. Com quem é que ele estará? Estará triste ou não? Lembra-se de mim? Não resisto, vou mandar-lhe um postal daqui. E mandou mesmo.


"As emoções eram cavalos selvagens e Brida sabia que, em nenhum momento, a razão conseguia dominá-las por completo. Certa vez, tivera um namorado que partira por uma razão qualquer. Brida ficara em casa durante meses, a explicar todos os dias a si mesma as centenas de defeitos, os milhares de inconvenientes daquele relacionamento. Mas todas as manhãs acordava e pensava nele e sabia que se ele telefonasse acabaria por aceitar um encontro."

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