quinta-feira, 26 de agosto de 2010

RESUMO (16)

Então, cumprindo o prometido aqui vai mais um bocadito de RESUMO

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ANOS DA MÃE

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A minha mãe fez anos. Ainda consegui ir buscar, na semana anterior, um presente, um perfume. Neste momento que penso nisso, acho que foi a última prenda que escolhi como tal. A minha amiga Teresa ia comigo. Nunca mais consegui fazer isso para mais ninguém. Engraçado é que a minha mãe ainda o tem, ainda não o terminou.

Há tantas coisas que deixei de fazer…e saber fazer…e gostar de sentir fazer. Não me deixam ir às compras, nem de comida, nem ao talho, nem á peixaria, nem sequer á padaria. Não posso gastar dinheiro nenhum das minhas poupanças. A dado momento reparei que o meu pai tinha creditado dinheiro na minha conta “porque estás a pagar a água, gás e luz e nós não tínhamos contribuído com nada”. Fiquei furiosa. Eles sustentam-me, eles mudaram de casa para cuidar de mim e depois fazem isto? Há, no entanto uma coisa que não espero fazer: mudar a minha residência fiscal para a deles, que é de outro concelho. Não o vou fazer. Não vou perder aquele hospital de referência, nem vou dar oportunidade a ninguém de me correr do IPO, mesmo que eu viva poucos meses. Isto dos hospitais passarem a EP tem muito que se lhe diga.

Não posso sair de casa a conduzir sozinha sem que isso faça os sobrolhos franzir. Não posso arrumar a casa como era costume, não posso limpar o pó dos móveis, lavar o chão, as varandas, varrer as garagens, enjoei a tal ponto que tenho de fugir da cozinha. Não posso fazer o meu tapete de Arraiolos porque faz tanto cotão que a minha mãe fica louca. Estou reduzida a computador, croché e livros.

Acho engraçado quando dizem que o cancro tem cura e se pode levar uma vida normal.

Quanto á primeira parte ok, concordo porque já vi. Quanto á segunda…não se pode levar uma vida normal fazendo os tratamentos em internamento. Levamos dias a recuperar da comida, dos intestinos, dos odores que aguentamos, do equilíbrio, dos glóbulos brancos que baixam e nos deixam sem defesas, do não caber naquela roupa e oops, afinal era a única coisa que tinha comprado com o último dinheiro que tinha recebido de trabalho feito. Ficamos fracos, a cabeça não pensa como estávamos habituados e não avisa. De repente parece que temos ataques de Alzheimer. Perguntamos estas coisas ao médico e do outro lado temos aquele silêncio profissional de largos anos, que espera que nós façamos outra pergunta mais fácil para se safarem daquela.

Sei que pareço uma queixinhas, mas passei do oito ao oitenta. De quem quase só ia a casa jantar e dormir a correr, passei a sapo, impedido por forças superiores (que nem me perguntaram nada) passei a não poder fazer quase nada. E não me venham com a ideia das artes aplicadas e colares e brincos, porque isso fazia eu ainda quando trabalhava, ok?

Bem, mas tive mais uma segunda-feira de vida “normal”. De manhã visitei o meu querido médico F.B. que me enviou para o IPO. Mantenho-o informado do que vou fazendo e ele lá vai tentando perceber o que se passa na minha cabecita. Pela tarde vou ao shopping com uma amiga. A Cláudia é perita em ver tudo nas lojas e não comprar nada, até faz impressão.

Com esperança no futuro, continuo a enviar o meu currículo para várias empresas da área em que trabalhei, mas é difícil. Há um tratamento, já não posso precisar qual, em que me telefonaram a oferecer horas de formação, mas eram á noite e o calendário não era compatível. A senhora do outro lado do fio ficou triste, e desejou-me tudo de bom.

Lá volto ao quintal mais três dias. Regresso na sexta-feira. Lógico que todas as pessoas normais arranjam que fazer no fim-de-semana, especialmente tendo filhos. Ao fim de semana não tenho amigas para ir ao shopping, logo fico no sofá da sala, numa espécie de limbo, esperando que passe e que aconteça alguma coisa diferente. Sei que os meus pais só querem cuidar de mim o melhor que sabem e podem, mas estão a asfixiar-me um pouco. Isto não se parece em nada com vida. Parece sim que estou continuamente á espera que passe. Entretanto, vai passando, mas e se o que vier no fim for mesmo e somente o fim? Desperdicei tudo. Desperdiçámos tudo.

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Para todos quantos se dignaram visitar-nos, um grande abraço

O pai Bártolo

2 comentários:

sideny disse...

Olá Sr Bártolo

Venho deixar-lhe um beijinho.

para si e para sua esposa.

Anónimo disse...

Olá Sideny
Muito obrigado por, apesar de tudo, estar sempre presente.
Beijinhos e as melhoras de ambas
O pai Bártolo