segunda-feira, 13 de julho de 2009

Minha mãe guerreira vs. INUTILIDADE

Pois na quinta-feira passada, tal como eu andava a desconfiar, pelos sinais de cansaço, lá foi a minha mãezita parar ás urgências, com mau estar e tonturas, depois de ter vomitado e mais umas coisas. Foi levada pelo meu pai, e eu, reduzida como me sinto agora, fiquei a ver (porque dá para o fazer com binóculos) a porta do hospital. Isto foi pela hora do lanche. Teve alta pela uma e pouco da manhã. Foi-lhe diagnosticado Síndrome vertiginoso SOE, veio com medicação para reduzir as vertigens e lá continua com o calmante que lhe foi receitado da outra vez que foi lá ter, em finais de Maio passado. Dessa outra vez fez amnésia. É uma dose muito grande para a minha mãe-guerreira. Tem consulta marcada no hospital para os finais deste mês, mas claro que terá de ser seguida por um médico cá fora. Anda a ver quando há um intervalo nas agendas dos crónicos cá de casa.


Lá se dormiu, e na sexta-feira depois de almoço lá fomos de armas e bagagens para a casa deles, numa aldeia que dista cerca de 25km daqui. Eu, claro, a descer escadas sozinha, mas sem poder levar sequer a maleta do portátil.
Foi tão divertido apanharem lá as galinhas e gansos e limpar jardim e ervinhas e tal que…as hérnias discais do meu pai pifaram. Lá ficou ele hiper-zangado e teve de passar o dia de sábado na cama, esperando o efeito de uns analgésicos jeitosos que começam a abundar cá por casa. Já faziam parte da medicação SOS dele, ok? Aqui não há auto-medicação, somos é uns trastes consumidores de medicação…enfim, crónicos, né?



E chegou domingo. Acordei esquisita.
E escrevi no meu caderninho:

“A inutilidade assombra-me. Tenho de saber como se pede a reforma por invalidez. Está a acabar o tempo a que tenho direito sendo recibo verde. Acho que me sobram 35 dias de baixa. Não sei se é melhor pedir enquanto tenho actividade aberta, ou se a fecho depois de aproveitar os tais 35 dias. Que trampa.
Passo os dias em função dos medicamentos da consulta da dor e das pequenas vitórias da minha locomoção.
O diazepam é tão estranho que até me dá vontade de voltar a um universo onde já vivi, e perdoar a quem não devo. Ou será que devo? Os humanos terão o direito de perdoar? Ou será isso divino? O que consegui, juntamente com os meus pais e suas escolhas tão apuradas? Ou seria impressão minha? Será que eles não escolheram nada e eu é que imaginava todos os obstáculos? Bem, consegui ficar sozinha. Quando a coisa aperta, sobramos nós três e não chega. Tenho vindo a reparar que já não chega mesmo. Seja por mais um ano de vida que eu tenha, seja por dez…não chega, falta-me o meu amor. Sim, tenho um. E perdi-o. Perdi-o mesmo. É um pedaço de um, mais o pensamento de outro, as acções de outro, o coração de outro.
Sei quem seria o companheiro certo para os meus quarenta e seguintes, mas não me vou colar a ele tendo uma doença terminal. Conheço há muitos anos e nunca lhe dei a entender nada disso. Tratei-o sempre como amigo, conversei sempre com ele como se fosse uma irmã e nada mais. Por vezes arrependo-me. Mas pensando melhor, sempre foi poupado a este tormentoso percurso.
Essa parte de mim, dos afectos mais intensos parece ter-se desligado. Não sinto, nem em sonhos, qualquer tipo de prazer ou arrepio que me recorde essa minha faceta louca. Essa mulher morreu. Deve ter a ver com a menopausa causada pela quimio. Mas até acho que começou antes dos efeitos químicos propriamente ditos. Grande parte de mim morreu em 12 de Dezembro de 2006. Já passou um bom bocado. Tenho convivido com um pedaço de mim que está morto. Tenho vivido uma vida que escolheram para mim. Não decido nada. Nem fui eu que escolhi a peruca. Disseram-me que estava muito gira e pronto, ok, é esta. É tudo ao contrário do que eu faria e era. A trintona que vivia sozinha e tomava conta de tudo a cem á hora, trabalhava, limpava, arrumava, fazia desporto, levava trabalho para casa e ainda fazia mais uns cursos para complemento de formação e investimento numa carreira…que me deixou pendurada, sem nada, sem vínculo, sem apoio social, a viver á custa dos pais novamente. A inutilidade.
Onde estou eu?
Não faço ideia, perdi-me de vista. Se me encontrarem algures, por favor, digam-me.
Este teatro começa a cansar.
Acho que vou mudar a peça. Gostava que este tratamento resultasse, porra. Quero a minha vida de volta, só um pouco que seja, para a viver sem cometer os erros do meu passado.
Ainda te perdoo um dia destes, meu sacana que me tentaste apertar o pescoço, a cerveja não é desculpa. Andas a estragar a tua vida porque queres. Eu só perdi tempo contigo a tentar endireitar-te o rumo. Valia mais ter-me divertido eu, ter vivido mais para mim.
Mas o danado do diazepam faz-me qualquer coisa que não entendo, e sem querer ainda acabo por te perdoar.
Enquanto isso rezo para que o meu companheiro que nunca será tenha agora o sucesso merecido no seu negócio, pois é trabalhador, ao contrário de ti. E continuo a acreditar que este mundo tem de ter um equilíbrio. Tu és mau, tens de pagar por isso; ele é bom tem de usufruir.”

Hoje é segunda-feira, espero que me contactem do IPO para ir fazer o novo tratamento. Vamos ver como corre. Sei que estou gordita demais, mas sabe bem não comer só sopinha e fruta, caramba. Adoooooro bolachas e torradas (né? Jorge amigo das torradas e a Tia Branca, que me entendem ambos).


Estou serena e calma, um pouco farta de não fazer nada. Isso é, a seguir á doença, o pior que me pode acontecer: a INUTILIDADE. Ou a consciência da mesma. A consciência de ter feito um esforço enorme para ter chegado a lado nenhum. Sempre pensei que conseguia voar de collants e capa, e endireitar o Mundo no intervalo do café, caramba.
*****

2 comentários:

Branca disse...

Pois, vim a correr ver de quem era esta carinha linda...ainda estou perdida a olhar para ela...!
Pois...pois... a seguir li tudo, a primeira parte já conhecia quase em directo, só faltou ter a câmara ligada aos binóculos, hihi e mais uma vez ou sou eu adivinha ou és tu.
Todo o dia pensei em saber como estava a mãe, mas supus que a tua disposião não estaria na maior, até que uns papeis "chatos" não me largaram mais o resto do tempo.
Agora estou aqui e vejo que hoje foi dia de reflexão, adivinhei em não a ter interrompido, será uma surpresa para outro dia.
Ah, tens uma memória melhor que a minha, se eu me lembrasse que o Jorge gosta de torradas tinha-lhas feito quando veio ao Porto e as minhas costumam ser tão boas! Afinal tu não estás nada do que dizes, parece-te, isso é o que legitimamente sentes perante os dias que vives, olha como a minha memória está bem pior, eu sim atravesso os primeiros efeitos apalermados da menopausa e mesmo assim não me sinto nada diferente do que era há uns meses atràs, mas devo dizer-te que pela experiência de vida que tenho e alguma "sabedoria" (parece presunção) não é a primeira vez que quando nos imaginamos adormecidos, de repente os sonhos brotam do chão mais inóspito.
Se há sonho de que nunca deves desistir é o de amar.
De mais a mais vi aqui uns progressos na descida de escadas sózinha, mesmo sem a maleta do portátil, já agora querias os progressos todos num dia, :), vai indo, vai indo...
Quanto à baixa, à reforma, não sei se tens à mão alguém da Segurança Social que te elucide, se não tens, eu explico-te ali do outro lado quem poderá dar-me informações mais precisas ou até fazer um contacto directo contigo, espero é que não esteja de férias, uma daquelas pessoas sempre disponíveis, estilo Jorge, o das torradas...ah, caramba, fico danada com estas falhas...! Eheheh!
Ainda havemos de combinar uma francesinha a três, sim porque a esposa do Jorge gosta de produtos menos regionais. :)
Angelito, bébé bonita, quê da outra fotografia?, fico à espera.
Beijinhos para ti, para a mãe coragem e para o pai igualmente.
Sois uma força da natureza e as forças da natureza vencem sempre.
Beijitos.
Tia Branca

Anónimo disse...

Olá Tia Branca,

a foto sou eu mesma com 3 anitos, idade com que fui baptizada. Fica muito bem porque a preto e branco tem um toque distinto, sei lá.
A outra...não sei. Anda uma perdida aqui para trás, a cara-bolacha é a mesma, hi hi, o cabelo é que já não são canudos loiros, mas isso faz parte do meu novo look. Gosto de coisas diferentes mesmo. Quando/Se voltar a ficar com tamanho de gente acho que não o vou deixar crescer mesmo. Faço uma crista!
Beijinhos e abraços á Tia Branca e a quem mais por aqui passa com pezinhos de lã.