terça-feira, 10 de março de 2009

Texto Intratável de Hoje - "Terceira Carta ao Anjo"


Terceira Carta ao Anjo

15 de Janeiro de 2003

Nem sempre o que parece negro é assim na realidade. Estou a aprender que o que dizes é verdade. Tens sempre boas razões para agir como ages. Eu devia ter crescido mais. Pareces-me tão lúcido. Eu não consigo ser assim. Exagero sempre na minha perspectiva e só depois de um grande esforço consigo ver as coisas como os outros as vêem. Nesse tempo que medeia as duas partes, sofro sempre muito. É uma estupidez. Já houve ocasiões na minha vida em que aprendi a pensar e a acalmar com as pessoas que me estavam mais próximas. Foi bom ser assim e fui melhor em tudo e para todos. Essa influência perdeu-se, por razões práticas. Cada um segue o seu rumo. Tenho de aprender a estar junto de quem é como eu gosto, para serem a minha âncora, para me educarem.
Tudo passou desde o último dia em que te escrevi. Consegui ver, infelizmente não compreendi logo, mas lá cheguei - realmente estavas ocupado. Não posso ser egoísta ao ponto de pensar que lá por este ano eu ter um trabalho mais leve, os meus amigos estejam para aí virados, não é? Tu podes não estar disponível, e mais importante que tudo, podes não querer estar disponível. Quem manda nesse assunto és tu. Não te rejeitei, nunca, mas acho que ainda não te convenceste disso, não compreendeste também o peso que os meus contratempos tinham. Vais compreender e reaparecer com os teus mimos a meio da noite? (abençoado telemóvel). Só tenho medo que aquilo que sofreste em tão pouco tempo te azede. Também penso que há tanta gente que te rodeia, que não tens razão nenhuma para te interessares por alguém que te parece ser tão oco quanto eu. Pelo menos é o que tu conheces.
Eu realmente ainda não fiz nada do que tinha sonhado fazer na vida. Mas há sonhos que não se alcançam sozinha. Dos meus sonhos fazem parte pessoas com quem partilhe o que vejo, o que ouço, o que sinto, o que aprendo e o que não sei. Só assim a vida tem valor para mim. O que ando a fazer é desperdiçar oxigénio.

Não pretendo ser rica, pois se o pretendesse não teria seguido o rumo que segui. Quero ser eu, cuidar de quem amo e ser feliz. Só isso. Mas esta é uma ninharia tão difícil de atingir! Preciso de ajuda para a alcançar. E não me sinto feliz por ser feliz sozinha. Pareço uma muralha por fora, parece estar sempre tudo bem, não é? Pois, são anos de treino e educação para manter uma certa postura. É uma máscara que me asfixia. Pareço uma gelatina dentro de um saco de plástico hermeticamente fechado. Moldo-me, desde que não escape lá de dentro. Não tenho ar, todos me vêem, todos observam, todos julgam, mas ninguém sabe se é doce ou não. Por acaso também gostava de saber escrever. Estas confusões egoístas estão na moda. Se as pusesse no papel ainda ganhava uns cobres... sei lá! Mas sou preguiçosa de mais para o executar e... tenho pavor de dar a conhecer o que sinto... ou julgo sentir. Ninguém tem nada a ver com isso. É só meu. (Tu podes saber, tal como me deste a conhecer alguns dos teus medos e solidões das madrugadas, que já tinham passado no dia seguinte, quando eu tentava dar-te um mimo). Mas sou vaidosa do pouco que vou atingindo. Como eu gostava de dizer como te vi e senti, como és lindo, como o teu corpo é belo e como... é boa altura para me calar.

E calar-me é o que faço mais, o que se torna uma violência. Tantas mensagens que te mando e que são um miserável e atrapalhado resumo de horas de conversa que gostaria de ter contigo. Há sempre tanta coisa que queria dizer e ouvir. Coisas do dia-a-dia. Lembras-te das conversas que tínhamos? Duravam sempre horas. Atrapalhávamo-nos e sobrepúnhamos histórias sobre histórias e “sabes que” e “já viste” e “eu penso” e “uma vez aconteceu-me...” Sinto tantas saudades dessas conversas. Sou culpada de ter tido mau sentido de oportunidade, mas tu também não podes exigir que toda a gente siga a tua agenda, pois não?

Sabes... gostava que tivesses ido ver o mar comigo. Não se via ninguém com pressa em redor. Não havia barulho, parecia estar toda a gente de férias, mas noutro sítio. Era tudo meu! E nada meu! Podia ter sido tudo nosso, podíamos ter conversado tanto. E se isso tivesse acontecido, depressa teria chegado o pôr-do-sol. Aquele que é cor de laranja sobre o mar. Aquele que só às vezes se vê na cidade. Aquele que gostava de ter visto reflectido nos teus olhos verdes. Os mesmos olhos que me olharam, e me espreitaram quando fechei os meus, mas que logo corriam a esconder-se quando eu te olhava. O gato e o rato.
Gostava de saber como sentes a tua história, esse teu amor perdido. Não por curiosidade. É que pode ser que chegues à mesma conclusão que eu, mas não demores quatro anos, por favor. Isso far-te-ia muito mal. Podes estar agarrado a uma imagem que conservaste, podes nem saber o que ela pensa de ti exactamente. Nunca sabemos o que vai na cabeça dos outros, não é? Comigo foi assim. E só quando enfrentei as coisas, não à força, mas de livre vontade, cansada de não as resolver, só aí é que vi claramente que tinha estado enganada. Escusava de ter chorado, sofrido, de ter tido saudades. Afinal, era tudo uma ficção construída por duas pessoas, que só serviu para as magoar e maltratar. Resultado? Ele ficou mais frio, eu fiquei mais lúcida. Ao menos, aprendi alguma coisa. E sei exactamente o que não quero e quem não quero.

Pode até ser coincidência, mas passámos por coisas muito semelhantes, não foi? Pode ser que desistas dela. Mas como és teimoso, vais afastar-te de imensas coisas e pessoas, sem o admitir sequer. Como não queres magoar-te de novo, não dás brecha nenhuma a ninguém. E eu estou parva para aqui a sonhar. Mas também por que não? Tenho esse direito. Sabes qual é um dos meus pequenos sonhos? É o de partilhar a minha vida, sonhos, medos e alegrias com um homem em quem acredito, com uma conduta que seja íntegra, que seja o meu ponto de referência, que me devolva à Terra sempre que me deixo levar pelas minhas teorias exacerbadas. Se me dizem para fazer as coisas de determinado modo, é meio caminho andado para eu fazer exactamente o oposto. Se me indicam o caminho, eu vou. Tu indicas. E desesperas. Eu percebo as tuas meias frases, mas gosto tanto delas que me faço desentendida só pelo prazer de ouvir mais. Eu sei exactamente o que quero e onde quero chegar. Não estou é a ver nadinha do caminho. Nem sei para que ponto cardeal me hei-de virar. O que é um ponto cardeal?

“Seja sempre igual a si mesma.”, Disseram-me uma vez a propósito de coisas ligeiras que já passaram. Se eu for igual a mim mesma, dou-me a conhecer, não é? Mas sentirei? Bolas, preciso que me ajudes a pensar. E só quero essa ajuda de ti, pronto. E tenho razões para isso. Escusas de refilar, porque teimosa também eu sou. E insistente...passivamente insistente, quase ao jeito do Gandhi. Não incomodo, mas estou lá sentadita e vais saber porquê, porque tu é que começaste e agora não me convences dizendo “É só isto!”. Até pode ser... agora. No entanto não me esqueço do que querias que tivesse sido e não foi por minha culpa. Lá por seres um verdadeiro macho latino (no melhor sentido) escusas de teimar tanto. Já percebi, obrigada. Tinhas razão e tens, mas não me massacres mais. Sabes muito bem que não somos horrorosos um para o outro. Tu adoras traseiros e joelhos, ficas especado a olhar. É giro. Sabes que se começássemos mesmo alguma coisa era difícil parar, não sabes? Só mesmo à força, com alguma situação esquisita. Tens medo de te magoar de novo? Também eu.
E isso aplica-se a uma simples amizade? Por isso me disseste “Não tenho medo de cair, tenho é medo de me magoar”. Lá por já te teres magoado alguma vez, não quer dizer que se repita. E não estou a falar de mim. Isto não é publicidade à minha pessoa. Não te ocupes com coisas e vivências ligeiras a mais, porque tu não sabes viver assim muito tempo, nem aguentas. Porque isso não te enche as medidas. Eu meti-me em várias coisas ao mesmo tempo. Parecia tudo engraçado. Deixei essas actividades e sabes que mais? Não me fazem falta nenhuma. Então não me eram assim tão importantes.
Porque continuo com as minhas ideias fixas, as mesmas de sempre. Tudo o que faça para encher tempo é aldrabice. E tu, não voltes a fechar-te no quarto a fugir do mundo, porque quando saíres está tudo na mesma ou pior. Se temos algo a decidir, ninguém o faz por nós. Só nós temos esse poder e direito. E somos criminosos se não aproveitarmos. Não podemos queixar-nos se não usarmos o que temos ao nosso alcance. Tens alguém que te adora, mesmo sendo teimosão como és, que, caso não te lembres, sou eu, moi, ich, yo - e que teimas em manter ao largo. Não tenhas medo, que eu não te magoo. Pelo menos não pretendo fazê-lo. Eu só te quero, isso não é crime, pois não?

Beijinhos fofinhos da Joana
*****

3 comentários:

Mrs. Sea disse...

Perdi-me na beleza do teu texto... Escreves muito bem, sabias?! Deixa apenas o teu coração falar...

Como tens passado amiga?!
As infos e as doxos como têm ido?!
Bjins

Anónimo disse...

Eh, eh, escrevia talvez. A sério que isto até tinha mofo, mas optei por publicá-los todos aqui antes de ter de os converter para o acordo ortográfico, com o qual não concordo! E tenho formação em letras, deve ser por isso que me dói tanto o coração. Depois devo começar a escrever em estrangeiro, tipo inglês ou castelhano.
As ifos inflam-me e passo-me dos carretos, e vão encolhendo o bolor devagarito. Já não posso fazer doxo, pois já fiz muita e o meu coração não se deu muito bem com isso. Estou a treinar para leão marinho/obélix/popota e afins. Eu quero a piscina de volta!!!! chuif!
Muitos beijinhos aí nessa terra onde se vai nadar ao mar num instantinho, sim? Inveja (da boa). Jokas também ao Bro.

Branca disse...

Susanita,

Cheguei ao fim do texto, sempre presa a estas personagens desencontradas, mas que se hão-de encontrar, acho eu.
Esperei pelo fim de semana para ler com toda a profundidade e atenção. Já percebeste que não gosto de comentar de qualquer maneira, não só para dizer olá.
Estou a gostar muito deste puzlle como lhe chamaste a princípio e também dos comentários atràs, encontrei duas sobrinhas queridas em ameno e bem humorado diálogo. Eu também tenho inveja(da boa) daquele mar todo e daquela paisagem de sonho que a Vera e o Bro têm lá pelos Açores.
Beijinhos.
Branca