sábado, 28 de fevereiro de 2009

Texto Intratável de Hoje - "Segunda Carta para o Anjo"



Segunda Carta ao Anjo

Uma tarde fui até à beira-mar e escrevi-te o seguinte:
E virei outra página. Aterrei noutra história parva. Vim aqui para ter mais luz e para ver se encontrava o verde dos teus olhos. Só que o mar está azul, azul de Inverno.
As ondas batem na mesma areia, que se arreda e volta ao seu lugar. As ondas continuam e insistem, embora se desfaçam em espuma e ar cada vez que julgam chegar a terra firme.
Eu insisto, mas tu escapas como areia, e de mim fica o mesmo da onda espraiada - nada! Ficas incólume. Tanto faz que eu tenha vinte centímetros ou dois metros. Em ti não causo nada.
Talvez já tenha tido algum efeito, há uns meses. Não te dei a entender porque havia tanto por resolver na minha vida (e que eu não sabia resolver) que fui adiando, para que não te fizesse mossa alguma. Tanto adiei, tanto neguei, que te fartaste. Isto é o que eu penso que aconteceu. Não tenho certezas. E tu não mas dás. Para ti é assunto encerrado, não é? Passou, perdeu a graça ou encanto e acabou. Acabou sem ter começado. E quando tive oportunidade, estraguei. Pensaste que eu queria dominar a situação, mas não era isso. Eu estava com pressa. Tinha urgência em sentir-te de outro modo, tinha esperança que baixasses as defesas, mas nem um segundo consegui perceber que isso tivesse acontecido. Talvez se me tivesses olhado nos olhos, mas evitaste. No entanto, vieste até mim, de longe (tudo bem que ficava em caminho para o dia seguinte, mas isso era no dia seguinte!), aturaste os meus pedidos e depois fugiste... com os teus olhos verdes e com a tua alma para dentro do teu castelo e fechaste-me o portão e também a ponte levadiça. Eu, como sou baixinha, não sei pular muralhas, nem sequer sei atacar ninguém.
Nem quero. Eu também já me fechei assim, há uns anitos atrás. O resultado foi que agora estou dentro de um castelo abandonado, quase em ruínas. Quando choro ninguém vê, e se alguém visse acharia que era justa paga para o meu modo de ser. Sou bruta, respondo mal... porque só sei ser assim. Se tu me visses por dentro... Assustar-te-ias, pois verias um reflexo assustadoramente familiar. Já não sou criança nenhuma, meu Anjo. Chamo-te Anjo porque me acordaste de um estúpido torpor, igual a essa animada e voluntária inconsciência que teimas em viver em relação aos sentimentos. Porque me fizeste ver a dor que se pode causar nos outros quando não queremos que se aproximem de nós. Mas sei reconhecer muito bem alguém de quem gosto, mesmo sabendo pouco. Há tantos hábitos meus de que nunca te falei e que são compatíveis com os teus. Há tantos medos que são também os teus. Vês este medo de falar? Não consigo alcançar-te, tal como quando tu me escrevias a meio da noite e eu a dormir. Eu tinha medo de me magoar, de não estar certa do que sentia. Eu não queria sentir. Agora, dez mil anos-luz depois, estou certa e tu magoado. Eu não te neguei, meu Anjo, só tinha medo de me magoar e de te atrapalhar a vida. Acabei por fazer as duas coisas, por ordem inversa e em momentos errados. Se fossem certos, não aconteciam assim, claro. Não, eu não estou bem, não! Estou sem saber o que fazer, perfeitamente perdida. Deixei passar.
Alguém poderia dizer “se passou depressa é porque não importava”. Mas quem diz isso nunca sentiu como tu ou eu. Há pessoas que têm um coração simples e nunca magoado. Nós não somos desses. Já amámos e já sofremos. Agora nada parece resultar. Eu entrei de rompante e dei-te cabo do telhado, assustei-te e agora foges de mim. Eu faria o mesmo, sabes? Sem querer, já o fiz em tempos. Só não imaginava que podia doer tanto.
Mas... continuo a gostar muito de ti. Já chorei muito por ti, por estares a sofrer, por não estares feliz, por perderes o emprego. Agora talvez vá chorar por mim, longe de tudo e de todos, dentro do meu castelo abandonado. Aquele que tu visitaste mas não viste com atenção. Aquele que te parecia um palácio ao longe, mas ao perto te pareceu um monte de pedras e gelo. Pode ser que um dia queiras vê-lo. Nesse dia, estará lindo, com todo o seu recheio no lugar à tua espera. Vai parecer feio por fora, mas tu nem sonhas as pinturas que vão por aqui.
Não quero tentar mais nada porque não quero o teu desconforto. Vou mesmo esperar que voltes a ser o amigo de antes.
Tu e os teus olhos verdes vão saber ver.
Se não for verdade, eh pá, enganei-me à grande.
Beijinhos, fofinho das minhas madrugadas.


Joana

P.S.: Este mar é como tu - parece sereno, não pára quieto, é imenso. Às vezes vê-se o verde, outras vezes esconde-se. Sempre aqui, mas em movimento.


*****

8 comentários:

Mrs. Sea disse...

Parabéns por estes textos lindos! :)
Olha e nada de desanimar... tudo vai ficar bem! E esses bicharocos vão ir todos à vida, vais ver!
Bjins

Branca disse...

Querida Susana,

Continuam lindos os teus textos!
Essas personagens são de uma grande sensibilidade, mas complexas, por isso sofrem, sofrem pela austeridade e resistência que fazem à vida, que é como quem diz ao amor. São afáveis, mas nem sempre o demonstram, penso eu. Espero pelas restantes peças do puzlle...
Jà agora diz-me, por acaso o teu signo astrológico é Peixes?
Não percebo nada disso, nem me fixo nessas coisas, mas conheço pessoas à minha volta que o são e tão parecidas contigo! Se és, deves ter feito anos por estes últimos dias de Fevereiro ou coisa parecida. Eheheh, percebo tanto disto que nem sei as datas exactas dos signos.
Gostei do teu P.S., para quem gosta tanto do mar como eu...e em mim também está sempre em movimento..., eheheh!
Espero que estejas bem, fica bem!
Beijinhos.
Branca

Anónimo disse...

Olá amigas. Com o Bro tudo a ir muito bem, espero.
A Tia Branca andou lá perto, mas ... não. Sou da terra, da montanha, e o mar por acaso não me descansa nada. Talvez seja o ascendente, nunca sei como é isso. Nasci em 02 de Janeiro, mais marreta não conheço.
As pessoas sofridas dos textos marados voltam ainda esta semana. Saí hoje do tratamento e ainda estou meia zonza. Tive de vir aqui e não resisti. Depois volto, mais forte-zita.

Grande beijão a passantes e grudados.

Branca disse...

Olá sobrinha,

Espero que estejas menos zonza e que tenhas um Bom Domingo, para aproveitar bem este solzinho que se faz sentir.
Obrigada pela informação, não fizeste aninhos em Fevereiro mas foi Janeiro, realmente não estive muito longe, é que às vezes fazes-me lembrar a minha filha.
Já vou tomar nota, este ano passaste despercebida mas para o ano cá estamos.
Beijocas.
Tia Branca

Branca disse...

Olá Susana,

Reparei que tens aqui ao lado um link para o André Moa - Diário de um Paciente. Não tenho o teu e-mail, por isso não pude encaminhar-te uma mensagem que o André enviou nos últimos dias da semana anterior pedindo para avisar todos os amigos que teve que fechar esse blog por questões editoriais porque há a possibilidade de uma publicação do mesmo.
Assim, e para que o pudessemos acompanhar, abriu um novo na mesma linha, "Diário de um paciente II".
Aqui fica o link para poderes substituir ali ao lado e teres acesso ao André, que tem outro bonito blog que podes ver no perfil - Olhar de Xisto.

Aí vai:
http://diariodeumpacienteii.blogspot.com/ ( o II saiu por engano no link ii,ficou assim).

Branca disse...

A tua ideia das nossas avós é linda, é mesmo como dizes, com pouco mudavam o mundo, mudavam-no só com amor, às vezes não tinham mais nada, mas tinham o principal, a capacidade de dar.
Obrigada pela tua visita, tão gratificante para mim, sobretudo naquele post. Perdi a minha avó há 24 anos, mas ainda hoje me emociono. Nos momentos mais solitários é sempre a lembrança dela que me conforta.
Beijos.
Tia Branca

Carecaloira disse...

Espero que já te sintas melhor.
Agora já percebi por que insistes em não nos vermos... é de seres marreta (cá em casa tenho um do mesmo dia que tu!!!)hihihi

Beijoca grande
Marina

Anónimo disse...

Estas minhas amigas...ai ai, são docinhos. Tia Branca, já corrigi o url do André Moa. Mas não tenho tido maneira de ler tudo e desactualizei-me.
Marina, não tenho estado em "estado próprio para consumo", e por isso não quero passar mau humor a ninguém, a sério. E depois, quem cuida de mim são os meus pais. Aqui não quero dizer mais nada. Mas não é fácil de gerir. Como não quero falhar promessas...nem me meto em muitas coisas. Estou a sorrir, tá? A sério que estou, amarelito, mas sorriso. Apreciem as minhas loucuras, pronto. Mas parem com os elogios, suas lamechas queridas. Sei lá, tenho de ir tomar ali os comprimidos mesmo.
Bjinhos de sol/lua.