terça-feira, 29 de julho de 2008

Por fim (ou por enquanto) livre!

Parece que estou livre, pelo menos por uns tempos, de fazer aquela quimioterapia pesadita que comecei em Março. Foram seis ciclos de ifosfamida, doxorrubicina e mesna. Nomes lindos que preferia nunca ter conhecido. Nomes, contudo, de químicos que me impediram de morrer até agora. Ter cancro não é como ter uma gripe. A propósito desta última, vamos ao médico e ele diz-nos quantos dias o medicamento “Y” demora a dar resultado, e se aquele não der, há o outro, mas dá. Na oncologia, é preciso ter estômago para ser doente e médico. O doente, porque sabendo o que tem, por vezes só quer o colo, quer acordar daquele pesadelo, quer desligar aquele dvd e mudar de história e não pode. O médico, omite a informação pior, tem esperança que determinado cocktail resulte em determinado doente, espera que o próprio doente resista bem e se empenhe, espera…que resulte.
Tenho 37 anos, sou solteira. Gostava de ter tido três filhos, todos rapazes. Não tive nenhum. Se calhar, ainda bem. Tinha sido complicado ter 3 crianças ou jovens a passar por tudo isto. Já chega ver os meus pais a rodopiar numa realidade tão crua de ver a única filha ter um sarcoma sinovial, perder um pulmão, ter uma recidiva, ser operada ao ombro direito, ter de deixar de trabalhar e consequentemente perder o emprego que vivia pendurado no ténue e aldrabão fio do recibo verde.
Que quantidade louca de más opções eu fiz na minha vida.
Talvez exista mesmo um equilíbrio no Universo, só não entendo porque tenho de passar por estas provas todas. Já não vou ser mãe, seria muito arriscado, poderia ter uma gravidez complicadíssima: anóxia do feto, extremo cansaço meu, o próprio processo de multiplicação de células poderia propiciar a multiplicação das que não me interessam, poderia não viver o suficiente para ver o meu filho crescer…
Sou da opinião que cada coisa tem o seu tempo. O pai que gostaria de ter tido para os meus filhos na casa dos vinte anos…deixei-o ir. Optei por fazer a vontade alheia, em vez de perseguir a minha escolha e a dele. Era um homem lindo, correcto, normal… Eu não soube guardar espaço para ele, mais uma vez escolhi mal. O meu moreno e os seus comboios!
Mas ele é feliz. Fez a sua vida, teve filhos. É justo o mundo, se o desprezas, ele acabará por te desprezar a ti.
Se chegar a Janeiro e fizer 38 anos, vai ser um dia só, não vai ser um aniversário. Deixou de ser desde que fiz a pneumectomia.

Aqueles textos que andam pelo blog, de fantasmas, cartas e anjos, são os meus pensamentos feitos ficção. Há muitos mais, que tenho em casa, no portátil…tive coragem de os rever hoje. Vou reler com atenção, são estranhos como eu, são flashes de pensamentos postos na escrita, são cartas entre um grupo de pessoas que nos mostram uma pessoa que todas as personagens conhecem. Só através das cartas de terceiros é possível conhecer a protagonista…mas é mesmo assim que sabemos quem somos, não é? Sei quem sou em relação aos outros e sei quem sou pelo espaço que ocupo na realidade que eu julgo existir.

Garanto-vos que, quando a nossa vida depende de um líquido que pinga para o nosso organismo, tudo deixa de ter a medida que tinha antes.

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